quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ela chegou em casa após um longe e cansativo dia de trabalho, ansiava pelo seu canto, pelo seu mundo, por aquela paz que sentia apenas quando se sentia livre e segura, agradeceu por não ter mais ninguém em casa, largou sua bolsa em um canto da sala, enquanto se dirigia para a cozinha foi desabotoando a blusa que tanto lhe incomodava. Largou-a em uma cadeira, fazia calor naquele dia, mas sentia-se um tanto fria. Abriu a geladeira e pegou uma cerveja. Foi até seu quarto com certa euforia e ansiedade, vestiu sua regata velha e desbotada, sua preferida, sentou na cama, abriu a cerveja, tomou um longo gole e pegou seu violão.
Tocava as melodias mais tristes que tinha aprendido até então. Seus dedos passeavam leves por sobre as cordas que retribuíam o carinho com tal tonalidade que dera vontade de chorar. Fechou seus olhos e na sua cabeça veio a imagem daquele sorriso, o sorriso que a fizera mudar de cidade em busca de paz, e que em raros momentos tinha sentido ali, naquela busca incessante por aquilo que a fazia realmente feliz.
Entre notas e goles de cerveja ouviu a porta da frente se abrir, seu instantâneo momento de reflexão inconsciente sobre a verdadeira felicidade estava prestes a se acabar.
-Está em casa, amor? -perguntou a voz que não desejava ouvir naquela noite.
-Sim, cheguei mais cedo hoje.
-Resolveu fugir?
-Quem dera se pudesse.
Olhou para a aliança dourada que brilhava em seu dedo e logo desviou seu olhar para a frase tatuada em torno de seu antebraço “Amor addit alas”, já meio apagada, concentrou-se ali.
Ele batera de leve na porta do quarto, ela se virou para ele.
-Tudo bem contigo?
-Acho que preciso retocar essa tatuagem. -ele sentou na beirada da cama, olhou para a cerveja e para as olheiras que ela estava.
-Não, você não está bem.
Ele puxou sua corpo para junto ao dele, ela gostava do abraço dele, a confortava, mas não se sentira muito bem junto a ele naquela noite.
-O que aconteceu?
-Nada, na verdade, não sei.
Ele sentira sua nostalgia, talvez ele a conhecesse melhor do que ela mesma, começava a se questionar se ambos fizeram o correto.
-Que que eu faça alguma coisa?
-Apenas que me deixe tocar mais um pouco sozinha.
-Ok, tomarei um banho, se precisar é só gritar. -ele beijou sua testa, pegou seu pijama e dirigiu-se ao banheiro.
Ele ligou o chuveiro e devagar entrou embaixo da água fria, que caíra por seu corpo como se fosse uma mãe tentando desesperadamente alertar seu filho de um perigo iminente. Ele fechou seus olhos e pôs-se a pensar.
Ela terminou a cerveja e depois de um dedilhado que parecia sussurrar tudo o que ela sentia, largou o violão e se deitou, passava a mão por sua tatuagem, lembrando do dia que foi feita e do porque daquela frase. Possuída pela nostalgia, fechara os olhos também. Depois de um tempo, pegou no sono.
Ele saiu de seu banho após derrubar algumas lágrimas discretas que se misturavam à água que escorria de seu rosto, não vestiu seu pijama, foi até o quarto enrolado na toalha e vestiu um agasalho esportivo. Sentou na cama mais uma vez, passou a mão pelos cabelos loiros dela.
-Eu te amo, sabia?
Ela se mexeu e sem abrir os olhos, indagou o porque.
-Eu também gostaria de saber, mesmo gostando do mistério que é esse sentimento pra mim, as vezes me pego pensando no porque ainda insisto nisso,porque ainda insisto em nós, nessa minha fantasia, acho que você não sente o mesmo, não sei, mas é o que parece quando te vejo assim, com feição de quem está pensando em outra coisa e não está “aqui”. Você me ama?
Silêncio, ela havia dormido de novo, dessa vez ele olhou para a aliança, respirou fundo, levantou.

No outro dia o telefone tocou de manhã, ela levantou correndo atender, era do banco oferecendo uma promoção, ela desligou. Do lado do telefone tinha um bilhete.
“Eu sei que eu te amo e sei os motivos, mas acho que você deveria ter um pouco mais de coragem para poder ver quem você realmente ama. E de tanto eu te amar, estou deixando você livre para pensar no que você quer fazer.
Se precisar de mim para qualquer coisa, estarei no meu celular, só não me peça para voltar, eu sei que isso será melhor para nós dois.
Eu te amo.”
Um tanto perplexa com aquilo ficou parada ali, em pé por alguns minutos que não saberia dizer quantos foram, olhou no relógio, eram 11 e meia da manhã, foi até a cozinha pegar algo para comer, seu corpo estava fraco. Preparou um sanduíche e foi para a frente da televisão.
O telefone tocou mais uma vez, ao ouvir a voz do outro lado da linha quase ficara muda, seu coração ao mesmo tempo que batia descompassado sentia uma tranquilidade que buscara desde o dia anterior.
-Me vi pensando incessantemente em nossa tatuagem desde ontem e resolvi te ligar para ver como você está, sinto tanta saudades tua!
Era a sua melhor amiga no telefone, ela morava em outra cidade, na cidade que antes moravam as duas.
-Eu também estou morrendo de saudades de você.
O papo se estendeu por horas, horas de risos e felicidade.
-Pensei em ir visitar vocês esse feriado, vocês estarão em casa?
-Esqueci de te falar, nós estamos dando um tempo, mas eu estarei em casa, pode vir!
-Mas tempo porque? O que aconteceu?
-Ah, venha que eu te explico tudo pessoalmente.
-Haha, desculpa para eu ir né? Tudo bem, chegarei aí amanhã de tardezinha, tenho algumas pendências a resolver aqui ainda.
-Estarei te esperando.
Elas desligaram, um alívio tomou conta da casa. Ela foi até o quarto e pegou seu diário, escreveu tudo que estava sentindo, foi até o banheiro e o deixou em cima do armário.
Anoiteceu, ela foi fazer algo para comer, passou o dia sem comer nada além do sanduíche de manhã.
Pegou uma lasanha congelado e colocou no micro-ondas para esquentar, se sentiu tonta e foi até a sala, que ficava ao lado sentar. Sentiu um aperto no coração, pegou o telefone e ligou para a sua amiga.
-Oi, aconteceu alguma coisa?
-Não, só liguei para dizer que te amo e não te deixar esquecer que independente do que aconteça, ou do que o mundo nos reservar, eu sempre estarei perto de você e eu sempre te amarei.
Nenhuma das duas tinha entendido muito bem o sentido daquilo.
-Eu sei amor, eu também sempre estarei perto de você, te amando, te aturando e te segurando.
Ela desligou, a luz começou a fraquejar, ela imaginou que seria alguma queda de luz que acontecia meio direto em sua casa, sentiu cheiro de queimado vindo da cozinha, não ouvia mais o barulho do micro-ondas funcionando, resolveu ir até lá. Ao chegar perto já podia ver uma labareda de fogo que queimava selvagemente a cortina que ficava próxima à tomada, correu para o quarto pegar o extintor. Na hora em que chegou já podia ver o fogo saindo pela janela, olhou para o fogão, paralisou, naquele momento, silêncio, aquele sorriso veio de novo à sua mente. O fogo atingiu o botijão de gás.

A melhor amiga tentava insistentemente ligar para ela ainda naquela noite, não conseguia resposta, pegou o carro e dirigiu sem parar até a casa dela.
De longe dava para ver a fumaça escura que subia de alguma casa perto da casa dela.
A cada metro que chegava mais perto entrava cada vez mais em desespero. Era madrugada.
Chegou enfim na casa, agora metade em ruínas, imóvel seu olhar fixou naquele carvão que tinha virado a casa que tanto lhe fazia feliz. Viu ele vir correndo em sua direção, com os olhos inchados e a voz presa por um grito que ansiava em sair, abraçou-a, ela desandou a chorar.
-Ela estava...?
-Sim, lá dentro...
Ela então reparou no carro do IML que estava parado ali, junto com o caminhão de bombeiro e os carros da polícia.
Ele tinha na mão um caderno, intacto. Desgrudou-se dela.
-Acho que isso deve ficar contigo. -era o diário dela.-o policial disse que estava no banheiro, que não pegou fogo e incrivelmente permaneceu intacto, eu sempre respeitei ela e sinceramente não quero ler o que está escrito aí, tenho certeza que ela gostaria que você lesse o que está escrito, e tenho certeza também que o que está escrito envolve você. Eu a amei demais, mas acho que o papel de melhor amigo deveria ter ficado pra mim e o de amante para você. Eu vou sair daqui, estou ficando louco, preciso respirar, se quiser, pode passar lá na casa de um amigo meu, onde estou “hospedado”- ele entregou um bilhete com um endereço, um telefone fixo e um celular- pode ligar se precisar.
Ela olhava para o diário em suas mãos, tentando não olhar para a casa, evitando um desespero ainda maior. Entrou em seu carro e dirigiu até um campo de futebol de arei mal tratado que tinha ali pelos arredores, era onde elas iam conversar, assistindo as crianças jogando bola e relembrando de seus tempos de crianças e adolescentes inconsequentes, ergueu as mangas e ficou estudando a frase em latim tatuada em seu antebraço. Lembrou da briga que foi para escolher aquela frase.
“Mas olha, pensa comigo, nós duas sempre tivemos vontade de voar e sempre quisemos a liberdade para nós, quando estamos juntas, o nosso amor permite que voemos nem que seja com pensamentos, o NOSSO amor NOS dá asas”
Lágrimas escorriam constantemente de seus olhos ao lembrar, soluçava chorando feito criança.
Abriu o diário e começou a ler as primeiras páginas, tinha escrito algumas piadinhas sem graça que ela vivia fazendo, alguns relatos do que acontecera naquele determinado dia, alguns lembretes de médico, compras e pagamento de contas. Começou a folhear, no meio haviam poemas não assinados, ela sempre quis ler um de seus poemas, mas nunca lhe fora permitido. Continuou folheando, até chegar à última folha que continha alguma daquelas palavras doces.
“Hoje quando vi aquele bilhete que ele me deixou realmente parei pra pensar nos meus sentimentos, nas coisas que importam pra mim, nas coisas ao qual fugi, nas coisas que pensei fazer certo e que em determinado momento só me fizeram perceber que não adianta eu fazer o que eu acho que está certo não sendo o certo. Pensei nela enfim, nos anos em que passamos juntas, nas coisas que prometemos, que dissemos uma para a outra, nas loucuras que fizemos, os sonhos que realizamos e finalmente na merda que eu fiz ao tentar me livrar de uma coisa que talvez só tenha conseguido dar nome agora, não, espera, eu não sei dar um nome para isso, mas eu sei o que é, eu sei como fez com que eu me sentisse, e eu sei que casar com ele, por mais que eu não considere que foi uma besteira, por realmente gostar dele, foi um certo erro, porque o fiz com objetivo de esquecer ela, coisa que não aconteceu, não consigo olhá-la como uma amiga, nem como melhor amiga, eu a considero mais do que isso, ela é minha amiga, minha melhor amiga, minha irmã, minha companheira, meu amor, mas gostaria que ela fosse também a minha amante. Espero que agora que ela vem pra cá depois de tanto tempo (isso se eu não morrer de ansiedade esperando por ela) eu possa dizer para ela tudo o que eu sinto, e espero que ela não me leve a mal, não sinta nojo de mim, não me odeie... Agora eu sei o que eu preciso: DELA, ah, e como eu amo ela *---*”
Lágrimas e mais lágrimas, olhou para o lado, o balanço balançava sozinho, não havia vento, o balanço parou, ela sentiu um calafrio, podia sentir perfeitamente o cheiro dela.
“Eu sempre estarei perto de você e eu sempre te amarei.”

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